Tão distante me encontrava do maior de todos os abraços, que nessa agonia por ter meus braços de volta não conseguia distinguir entre os infinitos formatos, a textura da pele, a cor, o cheiro e os pelos que roçavam, ocasionalmente, meu corpo inteiro em um envolvimento pleno. Mas bastava que eu meramente fechasse os olhos e um som longínquo, aumentando com o passar dos minutos, às vezes mais rapidamente, às vezes mais lentamente até virar um estrondo me despertava. Eu, atônito, percebendo-me sozinho, precisava de braços novamente que tapassem minha nudez, deixando-me no regaço de quem pudesse fechar os olhos comigo enquanto eu dormia. Mas quem o faria? Antes que eu pudesse perceber, mais uma vez, o formato era diferente, tudo era outro, mas o conforto era o mesmo, ainda que por dentro minha pele se contorcesse. E não achando o que eu sempre busquei, quando achei, eu procurei com tanta dedicação, anos aparando meu cérebro para que chegasse a meu próprio convencimento de que toda a violência, arrancar pedaços de si, era a coisa certa e melhor a ser feita. Mas quando achei, eu, de alguma forma, virei apenas braços e todo o resto de mim, jogado a um canto da minha memória, se espremeu de dentro para fora, no processo interrompido no qual eu havia me dedicado totalmente a ser unicamente eu.
Da árvore que agora era, galhos eram arrancados com a mesma fúria com a qual cresciam, de minha cabeça começava a florescer o que eu era finalmente, brutalmente ameaçado de secar por minhas próprias ações, eu plantando insetos devoradores de sentimentos e ervas daninhas ao redor de meus pés fincados em toda a terra do mundo. Jamais eu poderia supor que o meu objetivo era o que sufocaria minha colheita, se da forma como eu o estive enxergando todos esses anos, ele apenas poderia cortar-me no final e tornar-me uma árvore em meio a um campo de verde vibrante. Qual o mérito que uma folha tem de existir entre mil folhas? Mas a minha, brotando de entre as rochas secas do sertão conseguia ser uma folha multicolorida, ameaçada em sua luz infinita por minha ideologia de vida, arraigada em mim como um vírus, me devorando poucos milímetros a cada mês que eu fechava desapontado.
Eu não sei explicar como os braços me contornaram, tão macios e quentes, sugando toda essa fraqueza que me desmotivava, fazendo-me sentir completo novamente. Braços que transbordavam presença e amor, um amor forte, de posse, mas uma posse feita inteiramente de proteção. A beleza dos braços me deixaram estupefato, de imediato eu soube, naquele instante, que minha busca cessara, o maior de todos os abraços estava ali tornando-me um ser superior a mim mesmo em extremo conforto comigo mesmo, ele havia feito-me o que eu sempre sonhara. Em prantos, desesperado por querer encontrar o resto de quem havia me feito aquele bem supremo, senão Deus mesmo, me provando que existia! Mas não o encontrei, uma voz apenas. A voz de Deus, sussurrando no meu ouvido, um êxtase inexplicável e a certeza de toda a felicidade e que todo o futuro seria de prazer sublime... Ele me disse, completamente desprotegido, ele me disse que eu havia encontrado o melhor que o universo poderia me oferecer, que eu estava nos braços mais familiares do mundo, eu olhei ao redor, eu me abraçava e não conseguia me largar.
- Toda uma vida desperdiçada atrás de uma pedra que estava no meu bolso?
- Nenhum tempo é perdido, nenhum sofrimento é inútil, nenhuma epifania é mera divagação.
- Meu arrependimento queima a sola dos meus pés, de onde parte toda a coroa de flores, agora um pouco chamuscada pela vergonha de me entregar ao ínfimo de mim inúmeras vezes.
- Se preciso, eu me faço carne e sangro mil vezes, apaixono-me pela mulher mais vil e imunda da alta-sociedade e sofro com o olhar de desdém que ela me lançará, pisando em minhas declarações de amor incondicional, lambendo o chão que ela cospe. O amor que me atravessa me faz humano tanto quanto me diviniza e ao olhar essa mesma mulher, anos depois, com indiferença enquanto ela tenta me apunhalar novamente, eu estarei sendo um pouco mais fiel à luz inabalável que carrego no fundo de mim, esperando onde possa jorrar.
- O que temo é o eterno.
- O que é, que não o agora infinitas vezes?
- Essa certeza é como um diamante, falta-me algo.
- Estamos todos na eternidade agora mesmo, assim, não existe espera, não existe dor, nem ausências, só existimos nós e quem amamos, pairando sobre nosso momento eterno, uma marca em nós, parte de nós.
- Todos que carregamos, todos que amamos, de mãos transmutadas no maior de todos os abraços. E apenas eu posso dá-lo. Eu apenas que tenho em mim todos que amo de uma vez só e tudo o que sinto quando estou perto deles, cada um de uma vez e todos de uma vez só. Eu sou o maior de todos os abraços, eu sou os mais tenros e mais fortes braços que já me tocaram. Eu tenho os braços de Deus colados aos meus, mais um, na verdade, como mais um junto a todos.
Uma felicidade eterna, feita do que se condena todos os dias. Eu não preciso do que sei seria minha maior falta, eu não preciso. Mas, um dia, estarei, ao lado deste símbolo, além de mim e aglutinarei incontáveis felicidades umas nas outras. Um retalho do planeta, sem compromisso algum de obrigar ninguém a nada. Eu nem tenho mais controle sobre mim, é um caminho sem volta deixar-se guiar por si mesmo.
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