Dentre as ventosas pelas quais engole o
que lhe falta, serenidade e paz de espírito, tem o costume, esta
criatura, de vagar em lodosas superfícies, seu peso monstruoso
apartado pelos corpos que repetidamente se atiram a seus pés em
admiração forçada, não sabendo de onde vem. Tudo canalizado pela
abjeta forma amorfa, desfigurada em sua essência, a boca torta
pingando dentes sem funcionalidade, sugando a pureza e jogando todo o
erro de sua existência, frustradamente tentando justificar-se estar
neste planeta. A massa decomposta se arrasta e sua carcaça putrefata vai emitindo tentáculos que se prendem às pernas de quem passa, uma
suave simulação de espirros doces atraem quem tenha buracos em suas
almas, à busca de conforto, inocentes por desenvolverem seus
sentimentos mais acolchoados, a besta selvagem lambuza com sua gosma
corpórea fétida qualquer um que esteja alienado de si. Por ela se
matam, por ela se privam, por ela se confundem. A enorme covardia do
ignóbil enviado pelo mais invejoso dos deuses sobrepõe-se ao
asqueroso simples fato de esse reles lixo tóxico respirar.
Mestre em dissimular-se, como líquido
que se encaixa em qualquer recipiente, se alarga e ocupa as faltas de
seus hospedeiros, dando-lhes o conforto tão sonhado, eles se sentem
um só com o pusilânime parasita, seus olhos retorcidos, como fendas
em meio ao corpo repugnante, uma visão de horror do centro-vivo de
uma alma deturpada e corrompida por suas fraquezas maximizadas e
egoístas. Embalados em sono profundo, ausentes do asco que suas
vidas se tornaram em comunhão com tal aberração incoerente, um
fruto bichado e merecedor de todo o escárnio que lhe sobrevier,
odiar tal fonte de infelicidades é o perdão merecido pelo mais alto
escalão da santidade. Paradoxal citar beleza em mesma linha de
pensamento que a escória do universo. E drenando as almas muito
vagarosamente, inebriando suas vítimas com seu falseamento que é a
razão de continuar a existir, o vírus começa a transmutar-se,
livrando-se de seu alimento, pisando mais aliviadamente e
enganando-se de que é algo melhor do que fora, como se tal evento
possível fosse, ignorando que é intrínseco a sua nojeira vital que
sofra a cada vez que respira, uma justa punição por roubar o ar do
mundo, tão abjeto pedaço de engano.
E houve quem se desse conta de que era
impossível ser humano aquele acúmulo de frustrações e palavras
calculadas, impostadas em um discurso polido e neutro, era impossível
que corresse sangue quente naquela tentativa de modelo de virtudes,
naquele arremedo de gente, tão artificializadas eram todas as suas
atitudes, tão inconsistentes eram suas frases, tão vazios e fracos
eram seus movimentos. A estagnação aparente condenava o pantanoso
ser abissal a julgar-se capaz de definir não relativizar situações
e fatos, por estar acima do mundo, quando jamais havia caminhado
metros além de seu ponto de partida e após tantos séculos de
existência era o mesmo infantiloide débil-mental que sempre fora,
imaturidade em um corpo tão incapaz de ser humano, tão falho e
limitado, tão privado e tão bem-disfarçado. A consciência que
inflava suas vítimas as pulverizavam ódio e o histórico de finais
catastróficos não era mais nenhuma surpresa, agora sim, era mais
do que justificável e pouco havia sido o que lhe sobreviera. Antes
houvesse cessado de vez que tal traste permanecesse a caça de pobres
coitados.
E conduz-me ao centro de mim,
reavaliar-me por meu próprio mérito a realidade. Jamais
considerar-me com a superficialidade pseudo-conflituosa
característica dos inertes em auto-comiseração contemplativa, dos
submissos a vontade alheia, dos derrotados no âmago de si. Eu
desmembrei a besta aleijada, retirando cada pedaço de sua nojenta
carapaça e grudando ao meu próprio corpo para que o nojo de mim
mesmo próximo a qualquer fato que me lembrasse esse imenso e
profundo buraco me enchesse do ódio necessário para querer fazer a
morte parecer um alívio bendito. Não mais palavras vazias e
falsidade teórica. Não mais cenários fantasticamente coloridos,
pintados com tanto talento por mãos reticentes e hesitantes. Eu
enfio a mão na carne e esbaldo meus dedos em sangue pulsante e
pedaços de matéria humana, o clímax do ser orgânico. Cuspo nesse
amalgamado de transparências holográficas recheadas de utopias
pueris e etiqueta burguesa. A moderação patológica guiada por uma
crença em um auto-valor soberbo auto-infligido e invisível
constitui o cerne de um vendaval de mentiras, como uma fortaleza de
vidro. A armadilha perfeita.
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