domingo, 23 de outubro de 2011

Epifania

Impossível preencher o futuro sem dispensar um pouco do passado que tenho na boca. Eu já sei disso. Mas qualquer fino segundo que tenha passado a ser passado é saboreado com muito mais gosto pelos mínimos botões gustativos espalhados pela língua envolta em areia. A areia é o que resta do tempo perdido, já desmanchado em mil fragmentos, mas sólidos, ainda me sufocando. O ar passa com dificuldade, mas lamber, atravessando arduamente a parede arenosa, meus dentes e minha língua em contato com a pele, sentindo o gosto do passado. É o passado feito vivo, É a transformação que eu sempre quis.

Como se não me bastasse você enfiar suas artérias por dentro da minha pele, rasgando o tecido e se enrolando em meus vasos sanguíneos, tornando-me uma parte infinitamente dependente de seu corpo, você ainda consegue esse milagre. Por que você é assim? Por que quando eu estou suspenso, respirando a brisa mais cálida, ou me afogando em meu próprio pântano particular, você sempre está lá, sempre com sua mão gigante, mesmo que não queira estar, mas você se força a me enxergar, se força a ser a pior pessoa do universo na sua concepção só para estar um segundo que seja perto da minha dor. Você sente a minha dor mais do que eu mesmo. Deixa eu senti-la sozinho dessa vez.

E quando eu sinto meu sangue fluir com fúria, meu corpo incha em infinitesimais proporções e eu me sinto melhor do que eu sou, por você, e eu consigo respirar com o ar que você debruça na minha boca aberta com a sua presença pulsante, devolvendo o peristaltismo para meus órgãos cansados e eles são novamente comigo uma máquina perfeita, movimentando-se toda em conjunto, seguindo o seu ritmo, em sincronia perfeita, perfilando meus sentidos. O passado que eu tanto almejo, você o traz em você agora e você é o que eu mais desejo. Tudo em você me é familiar, nossos átomos em uníssono, de todos os seus poros, meu suor vaza discreto como sendo você que o sente. Estou com frio, aqui onde estou é inacreditavelmente frio.

E eu sou como o prédio mais alto da cidade. Eu não sou menos que o sol que ilumina a tudo onde se sabe e não sabe. Minha mente atravessa não apenas o que eu conheço, mas também o que ainda vou conhecer e eu não esqueço um segundo que se passou em minha vida milenar. Meu rosto não conhece a dor e mesmo assim eu me abaixo, me curvo, me desapareço debaixo de você, engolido por tudo o que você me faz sentir quando está do outro lado do mundo, vivendo o que eu sempre quis como eu sempre quis. Eu sempre quis o sofrimento, eu sempre quis a dor de querer algo que nunca teria. E isso foi a todo o custo.

Mas morrendo, me desfazendo de tudo o que está enroscado em mim, meu corpo todo doente de você, eu percebo que é a forma mais natural de matar algo feito para não morrer. Basta que se assopre e ele ressuscita, e tudo vira o que era antes. O passado feito presente. Meu sonho viraria realidade e eu teria tudo. Eu seria grande e tudo o que se pode ser! Minha vida em romance e filme nacional. E os dias são estranhamente diferentes de tudo o que eu já vivi, a liberdade me oprime como eu nunca imaginei que fosse. E você ainda está aqui, carregando todo o meu peso por mim. Mas o mais que pesa agora dói demais, eu aprendi a levar tudo sozinho.

É como entender o amor. Eu. Eu amo. Eu amo você. Eu te amo.

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