Algumas pessoas são perfeitamente impecáveis em serem exatamente o que se espera que elas sejam. Como se jamais houvesse passado por seus ocasionais devaneios sentir qualquer coisa que fuja ao que elas creem ser o óbvio que elas sejam. Há pessoas assim que não ofendem ninguém, não são nocivas, nem querem prejudicar, elas apenas transitam pela vida sem pensar demais, sem tormentos oriundos de filosóficos questionamentos internos. Tudo bem que essa ausência de si mesmos possa impossibilitar que se descubram como indivíduos e, isso sim, poderia queimar um pouco o sangue em suas veias. Mas para que? Isso não as incomoda. Elas não são melancólicas, desconhecem esse pungente vazio interior que se sente por saber-se incapaz diante de uma vontade astronômica. O auto-conhecimento que desencadeia uma sucessão de desconfortos acerca da consciência tida em todo o seu significado. Para que tudo isso?
Essas pessoas sabem amar e ser amadas, ainda que nunca se possa saber se seu amor é fruto de uma abundância de planos que cruzam o pensamento em um segundo quando se está em frente ao irresistível mais cálido momento em que a palma da mão desliza sobre a pele em curiosidade por todas as reentrâncias de um corpo entregue por não se conter de vontade de que aquele momento fosse eterno; ou seria esse amor fruto do rolar do tempo? Quando se tem um plano sobre si mesmo não importa muito o que motive a concretização, desde que ele se concretize. Essas pessoas reagem calmamente a tudo, a placidez com a qual tratam o que lhes faria divagar sobre o chão onde pisam é uma peça do grande plano maior. Um plano milimetricamente calculado com a precisão de um ourives.
Pendurar a jóia lapidada como um bibelô confeccionado para ostentar o poder sobre si mesmo, fecha-se os olhos para não observar quem rodeia essas pessoas que carregam na mão sempre o mesmo livro, um protocolo e reações a cada situação e a aparência sempre esconde o sorriso. Caso entrasse em suas casas, encontraria cada coisa em seu lugar, tudo muito limpo e ordenado, tudo planejado para jamais dar-se ao trabalho de repensar uma disposição melhor. Ao dormir, nada em suas mentes além do dia seguinte e, olhando a volta, essas pessoas são felizes, "nunca" soa mais normal, soa mais seguro, soa mais fácil, soa mais confortável, soa mais prudente, soa mais agradável a quem olhe, então deve ser o certo.