terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O Desterro da Covardia

O intento fora grudar ao meu corpo o que contivesse apenas lascas de vida, como uma vacina. Qual não foi minha surpresa ao retesar-me de dor pelo desenvolvimento silencioso dos espinhos da velha besta ilusória, fonte de redobradas expiações, como o assoalho envelhecido ainda roído por cupins apenas cumprindo uma necessidade vital. Não eximindo a vil criatura de seus atos levianos, quando enrosca-se por entre as frestas de seus hospedeiros a retirar-lhes o bálsamo de vida, injetando-o em seu próprio corpo agora já raquítico pela prévia morte - um renascimento custou-lhe esforços magníficos. Jamais hei de poupá-la, porém é-lhe intrínseco o comportamento parasitário e debalde acreditei estar enganado, como se houvesse tudo não passado de confusão mental construída por uma visão deturpada pelos canais prismáticos pelos quais a enxerguei. Mas nada ali de errado atribuir-se-á a mim, posto que da besta parte o acinte enevoado de canduras e dóceis discursos.

Rasga-se minha pele com o avançar dos ferrões, caminhando livremente por meus vasos sanguíneos, costurando-me ao centro nervoso do pária que, aparentemente por escolha própria, abrigo, protegendo o punhal que me dilacera, amando o garrote que lentamente faz-me esvair-me. Todo o antigo conhecimento e perfeita catalogação do espécime agora me soam frívolos, como uma sensação longínqua e infantil. Centrado, agora, em um momento pós-guerra, confio-me plenamente capaz de sensatez incontestável. Debruço-me ao incerto, contemplando minha dor e agonia e pincelando meu futuro de acordo com as exegeses do que ainda não li, vulto sacro que se decalca com a imponência de um destino inexorável barra-me o pensamento racional por mim tão enlevado. Tudo não passa, ao fim, de artimanhas da besta covarde em tornar-me uma marionete de seus caprichos, usando-me como lodo que ingere para satisfazer seu insaciável corpo em regeneração. Ao degolar-me, ante minha súplica por findar o martírio, a via crúcis encerrar-se-ia com meu corpo sendo incorporado ao ser ignóbil, como uma célula desprovida de auto-estima, apenas executando suas funções primordiais apaticamente, ausente de si.

Traçado estava o mesmo caminho de outrora, mesmo previsões de um futuro abjeto passaram-me pela mente... Quando interpelado fui por uma turba de inefáveis experiências, todas concentradas em momentos que, amalgamados, foram capaz de suplantar mais de um ano corrente de tribulações e perfídias. A vibração que elevou-me ao nirvana de mim mesmo alicerçou o tardio achincalho desta besta patética e, em realidade, pobre em seus sortilégios. A cada novo segundo no qual eu respirava profundamente, fui impelido a digerir a realidade deste Houdini encarcerado em seus próprios antagonismos e aviltar toda a constelação de imbricações traumáticas que o assombra. E quando, finalmente, pude rever esse vampiro, tudo o que pude enxergar foi um vácuo em seus olhos, como se a verdade que eles detêm fosse tão tripudiada diariamente que perdeu-se, imiscuída em verdugos emocionais.

Salvo que fui, aportei em mansa baía e dormi, acariciado por um vento lento e frio, os olhos sem o poder de se controlar, forçaram-se a fechar para poupar-me de qualquer evento. Mas nada sucedeu-se. Dormi em seus braços... Ainda não despertei.  
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Parece meio óbvio, mas eu escrevi esse texto como uma continuação de um texto que escrevi em Maio do ano passado chamado "Covardia". Eu até achei que houvesse escrito isso um pouco depois de maio, mas enfim, só reforça o que eu já deveria saber desde há muitos meses atrás. Mas foi bom, foi ótimo eu ter enfiado a minha cara em chorume mais uma vez, porque deste ato repugnante e humilhante surgiram oportunidades profundíssimas de reflexão. Eu refleti muito. Ah, acho que isso merece até outra postagem.

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