domingo, 6 de janeiro de 2013

Uma Folha

Há que se respeitar o que não se conhece, por medo ou cautela, o que não se compreende e o que se move de maneira familiarmente estranha, como um tímido mover-se nas profundezas da inconsciência, um mover-se do qual sabe-se a existência, é reconhecido, porém não se pode precisar, explicar, desenhar ou expressar. Ele se basta, essa coisa alguma que é tudo. E apenas por sinalizar sua existência, projeta profusões de sensações tão confusas à mente humana, mas tão cheias de vida que escapam à delimitações, às noções maniqueístas, à teoremas tão logicamente construídos.

Sou fascinado pelo que não se sustenta sobre dóricas colunas, preferindo os intangíveis caminhos, ausentes do que lhes guie que não o sentimento atemporal e auto-suficiente. Quando pude, finalmente, ainda que brevemente, descansar desta peregrinação infinda, refestelei-me sobre minha calma e eternidade condensada... Acordando de um salto, pus-me a par de mim mais uma vez, de volta que estava de uma viagem longa, da duração de vidas celestes - a convenção a qual chamamos "tempo" expressa-se por nossos parâmetros reduzidos, que, uma vez desabrochados, são relativizados e contestados ante a fatos que são gerados pelas coincidências do acaso. O ser humano sempre a ser posto em contradição pela magnitude do mero fato de existir, banalizado. - E de volta que estava, olhando para trás, vi dias e mais dias, semanas, anos... Não sei mais, a sensação reside em mim, jamais esquecida, sem necessidade de ser esmiuçada, para mim, sem sentido para mais quem olhe, a não ser que fossem eu. E o amor pela sustentação sólida e robusta ganha seu prestígio com o cronológico pulsar do relógio concreto e tangível para ser apreendido pela consciência física, que jamais se entende totalmente com o indizível.

É canônica a consequência de uma experimentação inclassificável, porém tal algoz cria-se pela ansiedade de pormos tudo em seu lugar, mas, uma vez que comparemos instantes com a eternidade, pode-se crer clara a ausência de distâncias e o alcance do que socialmente nos foi ensinado que se deve abafar, que a vida deva seguir uma ordem cronologicamente e milimetricamente pré-definida. Nada poderia escapar ao determinado e seria nosso próprio erro e, por conseguinte, dever restaurar a ordem, o equilíbrio, o inteligível. Eu sempre traio a norma, empiricamente atesto a falsidade dos constituintes desta base piramidal que se chama ordem "natural" das coisas... Em todo o meu corpo, espalham-se células nucleadas pulsantes de algo mais do que organelas, algo que as alimenta de ímpeto de viver, de vomitar os vermes tóxicos que me são empurrados diariamente quando sou obrigado a justificar-me o tempo inteiro e proteger-me o tempo inteiro. Justificar meus sentimentos e impulsos... Proteger-me do que possa me magoar e machucar...

Mas a dor tem sido algo além de carrasco, e, caso ela seja presente, eu ainda não estou pronto. E sempre que ela se fizer, ela me avisa que não estou pronto, que ainda não é a hora, que estou no caminho, que estou aprendendo, que estou sendo eu mesmo, porque sou feito de dor, de amor, de paixão por estar de pé, de depressão crônica e frustração, de resiliência... pelas frestas de uma promessa feita a mim, eu entendi o propósito, ainda que não desdobrado, porém contido. Ele me diz algo, como um feixe de luz a ser decifrado... O processo de sentir-se vivo apesar de tudo.

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