quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Digressão

As peculiaridades se amontoam como sendo vitais, elevando os níveis de fogo derretido, se esgueirando pelas paredes um pouco desgastadas de tanto serem raspadas pela força que tudo faz ao se arrastar por elas. O tremor se alastra suavemente, imperceptível, movendo sem controle, articulações involuntárias. O som despenca e se tropeça, sílaba por sílaba, por dentro arredondadas, mas recobertas de irregularidades. Elas têm a função de retalhar, vindas de um calabouço deserto, recoberto de mofo e dejetos, cheirando a sufocamento, emplastrado de saliva e bílis e restos, pequenos pedaços. Todo o corpo sentiria queimar-se se estivesse consciente de si. O sangue que vaza dos cortes no corpo atingido respingam e alimentam o cérebro, suas funções parcialmente restauradas. A autodefesa está em afagar-se. A autodefesa está em saber-se o suficiente para si próprio, em chegar em primeiro lugar no topo e olhar para baixo. Por que pode-se ver todos correndo lá embaixo? O ar ao redor como uma nuvem inteira de oxigênio acariciando mãos imóveis pela beleza do arredor. Os raios de sol, ao longe uma vista impessoal e estupenda. Lá embaixo, todos querendo subir, alguns pisoteados, outros sem saber a direção, alguns dando a vez, outros matando por um espaço. Consigo sentir nas pontas dos dedos a angústia de cada um e simplesmente esfrego essas pontas, me livro e olho para cima. O céu límpido me conforta por estar em união comigo. Um suspiro me enleva. Mas eles, lá embaixo, então se mesclam em brumas, olho para frente, estou diante do sangue, a cor não me parece definida. Mas não há nada mais.
           
Na busca, desintegrei aos poucos o que me conecta a uma unidade. Palavras são apenas palavras, vida é apenas vida, mas por dentro está a razão. O dedo que força para fora toda a podridão da carne, e olhar essa podridão feita real, ela está ali, flutuando e sendo matéria e o alívio de ela estar fora, mas o sofrimento de saber que ela tem a sua fonte que caminha, agarrada a qualquer lugar interior não-preciso. E detectar a fonte seria libertar-se dela? E dizimá-la, como uma busca pelo vírus, é a resposta? O que esperar após abraçar uma criatura feita sem braços? A espera se finca nos lábios, sempre prensados contra nada na esperança que ele se transmute em quietude. No final, agarrar nada será sempre nada. E o fogo derretido acaba por derrubar-se e empapar toda a carne, só para se esconder e depois voltar a ser produzido. Os olhos, os ouvidos, seus elementos catalizadores.

Como antes, eu preciso ver um pouco de sangue, ele me lembra do que sou. Mas não me leve a mal, eu não sou tão simples, eu não tenho objetivos tão claros. A morte não me atrai. Ela não me responde o que preciso saber.

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              Outro dia, encontrei coisas que escrevi no início de 2004 e meio de 2006, ou seja, com 18 e quase 20 anos, sendo a primeira uma idade muito importante para mim. Logo quando eu havia dito que queria ainda ter esses escritos. A maioria se foi, mas restou o suficiente. Agora o que fazer com essas descobertas sobre um eu já falecido? O que descobri de mais importante é que ele não faleceu por completo quando deveria. Algo dele ainda está passeando por mim e essa pode ser parte da resposta. Mas ainda não li tudo, não consegui assim, de uma vez só.

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