segunda-feira, 29 de julho de 2013

Pausa

Resolvi parar de ligar-me a pedaços de sentimentos e impressões. Canalizar-me-ei para conectar-me a um só fluxo. E materializá-lo. Faltam-me partes que vou depositando no coração dos outros a fim de aquecê-los. E o meu? Quem aquece? Toma-se por verídico o fato, incontestável, de que basto-me e carrego todo o certo às minhas costas, sem que precise de ninguém. Estão todos errados. Minhas verdades, eu sei e as legitimei. Tudo o que eu queria, eu nunca tive. Parecia-me tão simples e não o era, afinal, nunca o é. Mas o simplório, tenho para mim mais facilmente ao que assemelha-me merecê-lo mais abundantemente como que uma rasteira ao orgulho que tanto ostentei-me. Cansado de tudo, apenas. Ainda não pude descansar.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Ao Encontro pela Dissolução do Passado

Parece que nunca estou realmente sentindo algo independente do que senti naquela ocasião em que vivia suspenso mesmo quando não queria. Extirpar a fonte de amor sincero de todos os meus dias abate-se a cada minuto na forma de ausência palpável, lembrando-me que há alguém perambulando e vivendo normalmente carregando em si tanto potencial de vida, tanta vontade de ser feliz, tanto amor. É impossível que eu não ache ser o descanso para o vazio que formara-se centênios atrás e que, na verdade, o erro também tenha sido meu de não ter conseguido identificar momentos e formas de proceder, não há como plantar sementes na água. Ou não me foi explicado como? Havendo, certamente, algo que eu não consegui aprender para poder transpor essa barreira que se impôs entre mim e o desejo do que eu seria após conquistar o que soa impossível. Seria, então, o aprendizado exatamente conseguir ser esse produto "final" sem que variáveis (in)esperadas deem início ao processo? Um processo que vai desde suplantar o eu morto até compreender o nascimento de uma nova forma de vida. Mas, conviver o novo e o antigo soa, de fato, como sendo o real desafio.

E se eu estava enganado? E se tudo não faz parte de um plano montado em tempos imemoriais para que eu chegue ao ponto onde estou neste exato momento e faça algo com ele para que eu aprenda a lição da vida, para que eu desvende o mistério de ser eu? Por que urge em mim a necessidade de desvendar mistério algum? Por que eu sou um desconhecido para mim? Por que eu não posso me prever e como eu espero que façam exatamente o que eu espero que façam, uma vez que não se pode adiantar meus pensamentos? eles jorram na velocidade da luz e me escapam, sendo que mal lembro ideias que tive ao longo de horas anteriores e, quando escrevo, as palavras são outras, talvez as mesmas, mas não sei dizer, porque eu escrevendo já sou outro do que quando pensava em escrever há uma hora atrás. A agonia de não conseguir acorrentar-me para dissecar-me é uma vertigem que faz com que eu queira adormecer. Quando acordo, a sensação não é mais a de um corpo esburacado, eu saio na rua e o sol é inspirador com sua simplicidade óbvia e eu precisei ajoelhar-me e entender a humildade para dissolver a irritabilidade que se apoderava de mim sempre que eu era tocado por simplicidades extremas.

A leveza das coisas simples e das pessoas infantilizadas eram como as pedras que atiramos na superfície dos lagos, intuitos estéticos e despretensiosos faziam com que eu caminhasse deveras atento, focado na tentativa de saber o que cada pessoa pensa, mesmo que elas mesmas não percebam seus pensamentos. É difícil decodificar todas as opiniões que brotam ao mero toque do olhar. O corpo é tão displicente com a mente que, para minha segurança, ando de olhos fechados por ruas conhecidas, tateando o destino a percorrer, lutando até a morte contra o ímpeto destrutivo de abrir os olhos, a dor que se origina do conflito de ideias e sobe até a extremidade interna do crânio como que espremendo o cérebro para que ele não atinja a verdade que o liquefaria em segundos. O corpo em sua sabedoria instintiva autodefende-se de mim que não sei medir esforços. Eu pareço querer a eternidade, pareço estar insatisfeito com minhas conquistas e com meus fracassos, pareço não ter a paciência de aprender antes que possa ensinar e o mundo em minhas mãos se une ao meu ego na tentativa de superar meus sofrimentos mais mesquinhos, como se eu governasse o bem-estar do mundo e soubesse como aplacar suas dores mais indigentes.

Que frustração esmagadora pode advir do fato de descobrir que, na verdade, pode tudo ser simples demais e todas as incompreensões nada mais seriam do que a pressa para entender algo que está fora do alcance de qualquer entendimento. Um gato não busca conhecer a origem de seus instintos carnívoros, ele apenas o aceita e faz dele sua motivação para sobreviver e, uma vez que se explique a ele de onde vem o instinto, ele apenas continuaria sendo o mesmo gato, a vida o mataria ao final dos tempos e ele haveria amado por igualmente amar a si próprio. Mas para mim, é como se a lacuna pela falta da verdade transpassasse um corpo e de certa forma tolhesse seu livre-arbítrio, orientando-o na direção do que lhe é inconsciente. O mover de vida que me falta é a falta da qual prometo a cada dia livrar-me ainda que desconheça os mecanismos que fazem a engrenagem do movimento despertar. Sinto enferrujados os membros já transbordando de sede de amor e vida, o calor que se acumula em volta, apenas esperando que eu estique o braço para que ele me tome por completo. E por que hesito? Por que ainda abraço-me a meu vazio como se expressasse, ele, mais de mim do que mesmo tenho receio de demonstrar?

Ao que me correm pelas paredes celulares, informações de sepulcros abertos em soterramento abissal, secas cavernas subaquáticas jamais tocadas por qualquer conhecimento racional, onde jazem os microorganismos precursores do mundo, onde a mãos de Deus souberam fechar-se em concha, eu me injeto de um sopro de vida e abraço o que não sei como se fundou em matéria reconhecível. É o desconhecido que me convida a renovar-me pelo amor do que não sei definir, um amor intrínseco ao meu cuidar de mim mesmo.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Tratado de Sepultamento do Passado

É universal, pois que não parte de apenas um foco, o desprezo que cresce e se alastra por minhas opiniões acerca da massa ignorante que ambula por ruas amontoadas de estagnação e indiferença, conceitos arcaicos e mediocridade, leviandade e pequenez. O ser humano é traduzido em apenas nojo, a vergonha que se abate por precisar estar conectado a esse bando de lixo obtuso, seres dispensáveis de uma complexidade microscópica, apenas contentes em enxergar a partir de suas próprias visões deturpadas pelo egoísmo. Onde está qualquer amor por parte desses ignóbeis abortos da natureza? Onde está qualquer consideração? Onde está o sentido humano atribuído a essa palavra positivamente? Apenas vejo um mar de células dissociadas, pulsando por si próprias em nome de vícios e prazeres momentâneos, falta de interesse em construir e prazer em destruir, em condenar, em sabotar, em provocar a dor. Anseio que se aniquilem em seus próprios erros e passem a deixar que seja, o planeta, enfim, um ambiente de paz e harmonia. A vida não lhes cabe.

A dor da frustração por falhar em entender o porquê da inferioridade estúpida desses seres mal-feitos cresce em forma de agonia por pertencer a essa natureza fadada a autodestruição. Que sofram por seus erros "em busca da felicidade", porém, mais do que isso, buscam-na partindo apenas da própria e mal sabem, imbecis que são, ser impossível atingir a plena felicidade sem que ao outro façam o bem antes. Tantas foram as chances dadas por atos de bondade de abnegação, de puro amor e compreensão, de afabilidade e mansidão, de desejo de união e perpetuar a vida para que, através deles, a felicidade pudesse dar lugar a essas crises de sofrimento e instaurar-se-ia o divino prazer de poder descansar. Em vez disso, porém, ignorando a preciosidade de um diamante a vista, prefere-se retornar ao ciclo de erros e choro. Não me é possível entender! O que tudo isso quer dizer? Por que o destino não se cumpre? Por que o erro é escolhido? Quando sempre achei-me assoberbado por fatalidades, neste âmbito o sofrimento é menor pois atribuiria ao acaso a origem do meu sangramento. Mas quando é voluntário... Eu não consegui digerir essa destruição do ideal por mim cultivado durante tantos anos. O que fazer de agora em diante? Por vezes quero tanto seguir em frente e outras tudo me parece tão sem sentido.

Eu vos odeio e amaldiçoo, posto que sois, em verdade, alegoria de um conjunto humano. E descanso, pelo fato de saber-me detentor do esforço maior na direção do progresso e, garanto-vos que, enquanto afundais na lama de vossas escolhas erradas, subo eu degraus de ascensão à felicidade, construída lado a lado com o amor que se deixa brotar, o amor que se constrói na naturalidade e na calma, o amor verdadeiro e profundo, independente do destino e das palavras ditas. Eu não fujo ao compromisso, eu sou tudo de mim e, apesar da infelicidade que perdura em meu coração, estou consciente de que minhas mãos lutaram para que se honrasse um compromisso com a purificação. Ao passo que fugiram, todos, a esse compromisso, meramente lamento e que minha dor se multiplique em vós setenta vezes sete. Pois minha consciência adormece pacificamente e os tormentos que abater-se-ão sobre vossas existências miseráveis apenas se iniciam.

Decerto que transformou-se em entrave todo o sentimento que alimentei por meros minúsculos amalgamados de falhas, uma vez que a razão esforça-se em vão para entender a origem do querer bem aos outros. Faz-se imperiosamente necessário, para que o progresso se conclua, enterrar esses vírus em arcas lacradas, acorrentadas e sepultadas nos confins de um passado remoto o qual a memória apenas vislumbra. Nesse sentido, qualquer resquício de carinho a esses patéticos, torpes indivíduos dedicado ambiciona ser extirpado de mim, de forma que deixe de alimentar uma sabotagem de mim mesmo, guiando-me em direção ao novo, ao maduro, ao que apenas transborda momentos felizes e, se cravados por tribulações, um desejo maior de que essa felicidade se perpetue resolverá qualquer conflito em nome apenas do bem. Um suspiro de alívio, sementes de uma vida realizada e produtiva, medos e cortes profundos cuidadosamente curados e a torrente de mágoas sublimada. Todo o pranto terá valido a pena, todos os desencontros terão o seu sentido costurado por haver-se chegado aonde chegarei: o resultado de tudo isso que apenas configura-se em um concreto novo começo.

Debruçando-me sobre os anos antes deste, como transmutei-me em outra pessoa e observo, afastado, como simplesmente sois a mesma porcaria de quando dissemos, todos nós, as últimas palavras uns para os outros. Certo dia, será consolidada, finalmente, a sensação de haver perdido quase nada por terem dilacerado um coração gentil que pulsava por vós, que, de certa forma, ligou-se, tão profundamente aos vossos que, ainda que fisicamente a distância seja essencial, desgarrar-se é trabalho diário e doloroso, enquanto seguis vossas vidas alegremente, ausentes de vós mesmos, cercados por vossos vilipêndios autoprovocados. Ofereci-vos alívio, sois a personificação da autopiedade, a exegese do vil. Ao que eu entenda o quão ínfimo sois, libertar-me-ei e pronto estarei para abraçar com amor novamente.

sábado, 4 de maio de 2013

Traços

Em hiatos proporcionados,
à mente me vem durante a solidão
o que obtenho apenas do silêncio:
o profundo esboço do que não vem à tona
quando me transvisto do que me conhecem por ser

E tendo decifrado desde os primórdios o enigma,
os acessos de ociosidade ejetam-me
do estigma da mediocridade de ser obrigado a permanecer sendo corroendo um hediondo emendo
da multiplicidade de seres que cabem
na vontade, na ânsia, no desespero, na lacuna, na falta, na saudade, na ausência...
das bordas dos meus dedos limpo o último resto de memória que deixaram-me

E partem
E esfriam
E desaparecem
E emudecem
E perde-se nos segundos um instante que é impossível reproduzir uma vez que houve morte e [ressurreição,
o corpo que deixou-se cadavérico sucumbir a um momento de loucura,
outrora o vissem, não lhe duvidariam a cordura
jazia, agora, a boca aberta, os olhos empapados, as mãos trêmulas, saliva escorrendo, o sangue [brotando
e os pontos minúsculos de onde escapava sua pena de si próprio
eram chagas que não doíam, porquanto
embebedava-se do motriz de sua sobrevivência: um auto-infligido e por suas mãos elaborado ópio.

Ao tomar para si o outro
em verdade tomava-se a si próprio, refestelando-se por ser quem era e comprazendo-se em existir [milimetricamente em cada fibra de seu corpo pulsante de vida e desejo de [que o mundo o coagisse a cada vez mais e intensamente fulgurar como o
[primor da criação.
Em verdade, doía-lhe que não fosse
talvez
o que tinha a certeza que era.
Mas era
e é
e todos disso não tinham dúvida
apenas ele:
o maior cético do mundo.  

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Normal

Algumas pessoas são perfeitamente impecáveis em serem exatamente o que se espera que elas sejam. Como se jamais houvesse passado por seus ocasionais devaneios sentir qualquer coisa que fuja ao que elas creem ser o óbvio que elas sejam. Há pessoas assim que não ofendem ninguém, não são nocivas, nem querem prejudicar, elas apenas transitam pela vida sem pensar demais, sem tormentos oriundos de filosóficos questionamentos internos. Tudo bem que essa ausência de si mesmos possa impossibilitar que se descubram como indivíduos e, isso sim, poderia queimar um pouco o sangue em suas veias. Mas para que? Isso não as incomoda. Elas não são melancólicas, desconhecem esse pungente vazio interior que se sente por saber-se incapaz diante de uma vontade astronômica. O auto-conhecimento que desencadeia uma sucessão de desconfortos acerca da consciência tida em todo o seu significado. Para que tudo isso?

Essas pessoas sabem amar e ser amadas, ainda que nunca se possa saber se seu amor é fruto de uma abundância de planos que cruzam o pensamento em um segundo quando se está em frente ao irresistível mais cálido momento em que a palma da mão desliza sobre a pele em curiosidade por todas as reentrâncias de um corpo entregue por não se conter de vontade de que aquele momento fosse eterno; ou seria esse amor fruto do rolar do tempo? Quando se tem um plano sobre si mesmo não importa muito o que motive a concretização, desde que ele se concretize. Essas pessoas reagem calmamente a tudo, a placidez com a qual tratam o que lhes faria divagar sobre o chão onde pisam é uma peça do grande plano maior. Um plano milimetricamente calculado com a precisão de um ourives.

Pendurar a jóia lapidada como um bibelô confeccionado para ostentar o poder sobre si mesmo, fecha-se os olhos para não observar quem rodeia essas pessoas que carregam na mão sempre o mesmo livro, um protocolo e reações a cada situação e a aparência sempre esconde o sorriso. Caso entrasse em suas casas, encontraria cada coisa em seu lugar, tudo muito limpo e ordenado, tudo planejado para jamais dar-se ao trabalho de repensar uma disposição melhor. Ao dormir, nada em suas mentes além do dia seguinte e, olhando a volta, essas pessoas são felizes, "nunca" soa mais normal, soa mais seguro, soa mais fácil, soa mais confortável, soa mais prudente, soa mais agradável a quem olhe, então deve ser o certo.


domingo, 24 de março de 2013

A Te Observar Assim

Você sabe que estava pensando muito sobre você mesmo quando ele sentou ao seu lado e, olhando bem o que você estava fazendo, continuou ali, observando, não oferecendo ameaça alguma. O problema é que ele não era qualquer motivo para você sentir medo ou insegurança, então você apenas não o notou ali, parado, com cara de bobo, bonito até. Era o que você sempre havia achado que aconteceria e você estava distraído o suficiente para que acontecesse exatamente, da maneira como você planejava o acaso. O fato é que você parou de ligar, aprendeu a conviver com apenas a sua própria companhia e isso era magnífico. Isso fez com que ele conseguisse sentar ali do lado, pois, uma vez que você ignorava necessidades físicas e emocionais, abria espaço para que a tranquilidade sobreviesse seus sonhos mais desafiadores.

E não era engraçado que antes você sofria tanto, um sentimento genuíno, sim, mas altamente prejudicial e o motivo era que você sentia apenas. Nenhum laço se estabelecera entre o seu sentir e qualquer fator externo, você sofria pelo sentir. E agora, não sentia coisa alguma ainda, como devia ser. O par de olhos era marrom-claro. Cacheados, cabelos escuros, mas podia-se vislumbrar um marrom habitando-os, caindo pela testa branca, algumas pintas derramadas no decorrer da pele pouco agredida pelo sol. Havia de ter sido preservada ao longo dos anos para chegar à idade madura quase que intacta. Os lábios coerentemente finos, delineados milimetricamente combinando, inusitados, com o nariz intensamente presente, buscando uma ausência de explicação sobre como proporções definem beleza. A cada movimento que você fazia, mais ou menos chegando a alguma conclusão sobre si mesmo, ele abria um sorriso e apoiava as mãos sobre os joelhos, como a aguardar o próximo movimento. Ele não falava nada, ele estava infinitamente paciente.

Quando você vai levantar, afinal? Não que eu queira apressá-lo, mas é que me causa certa ansiedade que a felicidade se derrame sobre as pessoas. Pego-me esfregando as mãos e contendo gritos de incentivo, porque desejo, ainda assim, que tudo ocorra naturalmente. Vejo as pessoas que te cercam e te ajudam das maneiras mais diversas e satisfatórias e é enganoso seu pensamento de que você faz tudo isso por si próprio. Até mesmo ele, que está ao seu lado, você não vê e não conhece, mas está te ajudando. Pode ser que seja, ele, o mais ansioso que você alcance o ápice de si próprio! Sabe, não há como ser autenticamente feliz se não abraçar a todos com os braços que está abraçando a si mesmo. É que você sabe amar, aprendeu naturalmente e, então, consegue reproduzir um amor que é leve, é pueril, é orgânico e sincero.

Mas não ache que ele, por estar sentado a observar-te, está isento de dores. Carrega-as mais que você mesmo. Na verdade, ele não saberia fazer o que você tem feito por si próprio, apenas, então, aguarda que você possa estar com ele quando ele precisar olhar para dentro de si. Isso é algo que as pessoas evitam ao máximo até que chega-se ao ponto inevitável. Só você sabe como queria estar com alguém que o segurasse pela mão nesses mergulhos pelo mar de nossas frustrações, desejos reprimidos, lembranças ácidas, traumas, opiniões cristalizadas. Quem dera você tivesse quem o chamasse à sanidade em seus devaneios auto-flageladores nos quais destruir-se era, claramente, melhor do que prosseguir vivendo sentindo aquilo. Meramente lembrar desses instantes faz tudo parecer tão distante, tão incapaz de repetir-se. Ele admira você intensamente.

Eu nunca pensei que você iria acabar acreditando que todos os seus medos eram irreais. Em um curto espaço de tempo, você concretizou vários desses medos. Não é de se espantar que você está melhor agora do que estava quando supunha que ficaria péssimo caso esses medos se concretizassem, essas ausências, quer dizer? Na verdade, nada disso existe. Estar sozinho é a vida que se tem e o que agrega-se a ela faz-nos mais felizes, sim, mas não nos constrói, não é parte vital. É delicioso sermos uma montanha de sentimentos provocados pelas pessoas, mas, no final, apenas temos o nosso centro. Nossa vida toda emana de nós e as pessoas se prendem a nós efemeramente segundo suas necessidades. Ele ali, parado, pode ler o que eu escrevo e está me olhando agora, neste momento que esta linha acaba de ser formulada.

É como se ele discordasse do efêmero. "Eu posso provar que não. E, assim, é que eu faço meses virarem anos, anos virarem décadas, décadas virarem uma vida inteira. A cabeça descansada no travesseiro num dia de domingo, sem necessidade alguma de levantar, pele roçando pele, um alívio por estarmos vivos."

domingo, 10 de março de 2013

Perdurando

Havia encontrado um súbito suspiro escapando por dentre seus lábios rotineiramente tão relaxados. E ao balançar seus braços, notava como era belo que pudesse cortar o ar e sentir o peso de seu corpo existindo tranquilamente. A certeza de que sempre estivera certo sobre si mesmo finalmente chegara, ante os recentes acontecimentos, sentia que tudo havia sido necessário. Tudo o que fizera e o que não fizera. Era, então, isso,  o estar em paz consigo mesmo? Ele não conseguia agir através de fingimentos, como simulando algo que não sentisse e, fazendo disso um hábito, pudesse acostumar-se a sentir-se daquela forma. Era guiado pela vontade. E estava à vontade sendo ele mesmo apenas. Aquela busca incessante por completar-se havia vindo corroborar-lhe a incompletude, a qual inexiste. Se há algo que juntar com o que se tem, é algo que estava dentro de dele e ele não havia descoberto. Mas não vazava simplesmente, estava intacto em um ponto aonde apenas se chega através das experiências. Por isso, nada do que se faz é perda de tempo. Até o que não ocorre é perda de tempo.

Deu a mão para sua outra mão e adormeceu em paz desta vez, confiante que o amor que brotara era real e crescia largamente dentro dele, um amor que se estendia aos outros, porque partia dele e não porque nascia nos outros e, assim, era transportado a ele. E, ainda que esse amor não lhe fosse outorgado, não importava. Ele criava cada fagulha de amor independente de qualquer circunstância e isso era dar-se paz. Em vez da ânsia que se apoderava dele toda a vez que se via sem ter sobre quem depositar esse sentimento, agora ele se via como receptáculo e deixava o caminho livre para que pudessem andar, flutuando, levemente entorpecidos, aqueles que quisessem dividir alguns momentos em sua companhia, uma vez que a ele também fosse benéfico. Acontece que era mister que fizesse parte deste processo o enxergar-se. Não se trata de orgulho, como antes pensara. Não se trata de empáfia, trata-se de amar-se, o que descobriu ser primordial.

Resultante do afirma-se como ser humano estava o abraçar mais do que fortemente quem outrora pensara ignorar por não ter a coragem de sentir o amor transbordar. As lágrimas legítimas que escorrem de um coração pleno de saudade são mais dignas do que as que escorrem do vazio tão arduamente construído por detrás de sorrisos calculados e palavras medidas. E palavras de carinho não deviam ser poupadas e toda a demonstração de amor deveria ser cultivada e toda a paixão deveria ser concretizada para que se viva tendo aprendido a ser feito de sentimento. E é lícito repudiar o que desanda ao que se definiu como prioritário. E ele havia definido. Sabia que o prioritário era que distribuísse essa placidez recém-fundada, por seus olhos, ainda que carregados de tristeza, mas deixava a mágoa ser enxugada por cada fragmento de pensamento feliz, cada projeção de uma cena em que estivesse junto com quem ama. Sendo feliz. Não é pecado ser feliz, ainda que seja apenas uma intenção. Naquele universo, o da vontade, ela é autêntica.

Ele queria saber mais de seu amor. Ele queria abraçar, beijar o dia inteiro, dormir junto, sair para um programa tão banal e íntimo, chorar quando se afastassem, dar um presente em uma data na qual se dá presentes, receber uma mensagem de fazer chorar pela simplicidade, dizer que ama...


quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Juntando os Rascunhos em Ordem Cronológica

Houvesse, porventura, real orgulho, do qual envergonho-me de ostentar a mim mesmo e frente a quem diz amar-me, haveria eu de conjugar ações com sentimentos sem ao menos hesitar, tal qual orientado pelo instinto? Que instinto é esse que se desenrola, de dentro para fora, originário de configuração celular ainda não mapeada? Espraiando-se por um corpo sujeito às naturais agruras, a febre, alinhando-se ao torpor decorrente da prolongada falta de apetite desnorteiam mental e fisicamente a capacidade de raciocinar sobre o tempo que se alarga e se confunde em relação à realidade de sua duração e peso sobre as costas desse corpo.
Enquanto esse impalpável recanto, de uma placidez absoluta, reconfortado por decoração vítrea e pulsante de vida, sereno em seus sons melodiosos que refrescam a pele apenas ao reverberarem pelo ambiente de um frio ameno... Enquanto esse recanto reforça o teor de vida que borbulha atrás da placidez do meu rosto, deixa-me faltante, em vãos ao longo de minha coluna vertebral sobre a qual recosto e sinto, a cada passo, essa dor vazia. Como pode algo não-concreto se fazer presente, mais presente que a existência em si? Fortalecer-me contra mim mesmo, para que eu não afunde minha felicidade tão duramente conquistada e ainda embrionária... Mas tão quente...
 Eu tenho certo medo, medo do que eu estou sentindo, medo de ser a hora, medo de ser verdade, medo de, na realidade, não ser real o que se aproxima tanto da verdade.
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Avançando pelos limites intransponíveis, uma rede de sentidos é costurada de microscópicos momentos afixados no plasma sem cor do universo. No hercúleo esforço por alterar o parâmetro pelo qual seguem os pilares que sustentam minha consciência, guiam meus sentimentos, orientam meus movimentos, impulsionam minha catarse; destaquei apenas um componente do mural de amplas possíveis sensações e, engolindo sua essência, pus-me a perambular por qualquer caminho que se abria. Em mãos, uma reorganização pessoal, uma meta que me transcende.

Ao raciocinar sobre o feito, eis que se desenhava com a mesma sinuosidade a qual outrora me fora tão familiar e eu reconhecia uma vida inteira exemplificada em apenas horas. Ao passo que se levava o dia, ficou claro que uma nova ordem apenas era uma reconstrução de um íntimo sentimento jamais destroçado e impossível de ser pulverizado. Era isso o que me sustentara e sustenta, como se cada átomo que me compõe pulsasse de paixão por vida, pela intimidade pura, inquestionável, inquebrantável, inviolável, incólume, infinita.

A magnitude com a qual me dedico ao que me ordenam os sentimentos fragiliza ao extremo e suplanta, muitas vezes, meu bem-estar. Ainda não consigo enxergar tal característica como a ser superada, sinto meu corpo vivo pela irrigação sanguínea movida pelo sentir. Desde esferas longínquas, moldadas por mãos imateriais, o fluxo da eternidade ansiava por este momento no qual um turbilhão de reciprocidade daria vazão à construção

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Fincando as palmas das mãos na coluna de gelo maciço, atravessando-a como espuma frígida. Nenhum toque humano que não o das mãos desenhadas no vazio sombrio de onde este gelo, cristal a cristal foi depositado pelas frustrações e espasmos duvidosos dos seres mais próximos do Criador, poderia produzir o calor para derretê-lo. A água que brota das frestas antárticas, em suas moléculas microscópicas carregam, banhando-me as mãos, toda uma era que acumulou-se em pedaços gélidos. Desfazendo-se entre meus dedos, a fortaleza que ergui para de onde não mais saber escapar, em labirínticos corredores, a espreitar um alívio para o tormento que eu mesmo havia planejado, como justificativa para todos os meus atos de salvação, a julgar-me mártir salvador, erguendo as cruzes de meus amores.
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Nossas mãos encostadas, sem que qualquer movimento quebre a harmonia de uma proximidade fria, ainda tímida. Eu sei tudo o que se passa por entre o que nos impede de contato, mas tanto quanto suas feridas estão ensanguentadas, tanto assim estão as minhas... O sangue vazando que eu já desisti de tentar conter.
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Por que eu me importo se houve algo de fato? Já entendi que minha concepção é diferente da sua, então é possível que tenha havido e os desdobramentos tenham sido diferentes para cada um de nós. Eu aprendi a me separar de mim mesmo para poder analisar imparcialmente algo que é intrínseco a mim, contrariando meus sentimentos. E foi bom. Eu posso entender por entre suas palavras que me magoaram o amor querendo evitar meu sofrimento. Acho que tudo aconteceu tão cedo... Eu não entendi ainda a causa de havermos agarrado para nós a hora errada. Não havia como brotar nada dali, naquela época... E, como tudo o que eu já vivi, eu consegui enterrar, colocando o remorso como lápide, você, por algum tempo.

Eu percebi a fragilidade dessa separação, se ao mero acenar eu já estou profundamente afetado, podando anseios turbulentos e estrondosos, tentando acalmar essa reviravolta colossal que motiva uma orquestra desesperada. Eu tentei e estou tentando, mas é recorrente. Você é uma parte que não consigo ignorar. Eu quero tanto

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Hoje, novamente, de súbito um frio. mas aplacado com a calma de quem já tem intimidade com o sentimento invisível. Eu não consigo evitar estes caminhos que perpassam minha mente em infinitas idas e vindas. magicamente desenhado para que eu chegue a mesma conclusão de antes. Foi extremamente difícil este mais de um mês que passei em silêncio. Pois toquei o vazio e agora ele me toma como que naturalmente e eu estirado debaixo dos panos que ignoro serem apenas a cobertura de uma vão infinito que tenho fingido haver superado. Na verdade, encarando-o agora de outra maneira.

Eu tenho umas coisas em mim sobre isto tudo, como sempre. Estou em vontade de escrever... Só um pouco decepcionado por perceber-me ainda refém das circunstâncias...
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E durante o dia, quem me vê, vivendo, nem diria que toda a noite eu choro este vazio.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Refletindo sobre tudo isso...

Esta postagem não chega a ser nada literário, com a licença do uso da palavra para classificar meus outros textos. É que eu sou mais poético quando tento expressar meus sentimentos no cerne, porque acho que o discurso mais prosaico não dá conta. Mas não é esse o caso, o fato é que eu estou muito intrigado como eu não tenho nenhum controle sobre as coisas que acontecem na minha vida. Sempre paro e observo o que aconteceu há alguns dias ou meses ou anos atrás e analiso fase a fase como que a pintar um muro e vejo que uma coisa se encaixou na outra, mas eu não tinha planejado isso. Pode parecer meio estúpido que eu trate esse fato como algo surreal, mas é que isso reforça a minha crença de que eu realmente não estou sozinho e tem alguém me guiando, deixando que eu sofra quando necessário, que eu passe por tribulações quando elas me forem benéficas. Posso falar sobre isso agora mais claramente e sem receio de me expor, porque sei que sou muito enigmático às vezes.

E o propósito de um blog é expor-se, não que eu não o faça, aliás, quase ninguém lê isso aqui mesmo, mas eu consegui sentir algo tão bom e, mesmo eu tentando frear isso, me consome de tal maneira que parece muito especial. Mas a diferença é que não é unilateral. Esse é o ponto no qual eu estava para chegar, é que me acostumei de certa forma a não receber nada, a não exigir nada das pessoas e apenas suprir suas necessidades e, assim, quando sou suprido sem nem ao menos precisar pedir, como devo me sentir? Claro que tenho medo, cautela, receio, ceticismo... Meus velhos amigos... Mas dia a dia eles estão sendo afastados, mesmo que eu os force a ficar, não sei, eles me protegem, sempre me protegeram, mas cobram um preço muito caro, que é o de eu me isolar, ficar paralisado, deitar na minha zona de conforto, abraçar minha solidão. Mas isso não tem sido suficiente, acho que eu mudei de tal forma que meu velho eu não cabe mais em mim, como se ele fosse muito menor do que eu sou agora e preciso de mais, muito mais, dar uma guinada na minha vida e, assim, esses velhos companheiros de quase 3 décadas tornaram-se obsoletos, é que, por costume meu, eles ainda estão se agarrando a mim veementemente.

Pode ser o momento de colocar tudo a prova, de descobrir se toda a teoria converge para esta hora. Parece que confiam que eu esteja pronto e este amor que não dói por nada intrínseco a ele mesmo, apenas por fatores externos, é algo do qual nem me lembrava mais. Estou maduro, estou mais velho, sou um homem agora e não se pode julgar meus sentimentos com base em devaneios adolescentes de um menino cru e totalmente influenciável como eu era da primeira vez. Não desmerecendo meus sentimentos de antigamente, mas faz quase 10 anos e ouso dizer que envelheci de experiência o que há pessoas de mais de 30 anos que não envelheceram ainda. Eu estou pronto para algo sublime, para algo vitalício e impávido, algo que é possível que desabroche em vários ramos e, desses ramos, floresçam almas que eu ainda nem conheço ou me foi dado esquecer. Estou muito emocionado agora e sem a sensação de estar sendo infantilizado e cheio de utopias, porque mantenho os pés no chão. Toda a falsidade que me circundava dissipou-se e eu vi a verdade, não vislumbrada, ela foi vista, sentida, acariciada, beijada, absorvida. Como posso eu haver conjugado tudo em perfeito momento? Não pode ter sido eu.

Então agora eu me sinto mais seguro, sabendo que é um amparo que me resguarda de errar sem rumo. Há um rumo, há um compromisso e um objetivo e parece tudo estar dando tão certo... Pode ser que chegue a hora em que eu tenha que sacrificar de vez as âncoras que me respaldam... Eu já fiz isso uma vez, eu me lembrei agora. Há muito tempo, além da vida humana... Eu fiz isso que parecia uma loucura juvenil e eu sei que fui feliz e quem teria a grandeza de me incentivar? A minha felicidade nas minhas mãos, com os meus pés no chão... Eu morri por ter amado uma vez, isso está gravado em mim. Não deveria eu, então, recusar isso com todas as minhas forças? Eu abraço, ao invés, porque eu palpito de amor, transbordando por todos os meus poros, ansiosos por serem expandidos até que eu possa banhar-me todo em minha essência. Sim, a essência que eu carrego, que é lasca flamejante da origem imaterial de onde fui gerado, essência planetária, cósmica, amor universal.

O Desterro da Covardia

O intento fora grudar ao meu corpo o que contivesse apenas lascas de vida, como uma vacina. Qual não foi minha surpresa ao retesar-me de dor pelo desenvolvimento silencioso dos espinhos da velha besta ilusória, fonte de redobradas expiações, como o assoalho envelhecido ainda roído por cupins apenas cumprindo uma necessidade vital. Não eximindo a vil criatura de seus atos levianos, quando enrosca-se por entre as frestas de seus hospedeiros a retirar-lhes o bálsamo de vida, injetando-o em seu próprio corpo agora já raquítico pela prévia morte - um renascimento custou-lhe esforços magníficos. Jamais hei de poupá-la, porém é-lhe intrínseco o comportamento parasitário e debalde acreditei estar enganado, como se houvesse tudo não passado de confusão mental construída por uma visão deturpada pelos canais prismáticos pelos quais a enxerguei. Mas nada ali de errado atribuir-se-á a mim, posto que da besta parte o acinte enevoado de canduras e dóceis discursos.

Rasga-se minha pele com o avançar dos ferrões, caminhando livremente por meus vasos sanguíneos, costurando-me ao centro nervoso do pária que, aparentemente por escolha própria, abrigo, protegendo o punhal que me dilacera, amando o garrote que lentamente faz-me esvair-me. Todo o antigo conhecimento e perfeita catalogação do espécime agora me soam frívolos, como uma sensação longínqua e infantil. Centrado, agora, em um momento pós-guerra, confio-me plenamente capaz de sensatez incontestável. Debruço-me ao incerto, contemplando minha dor e agonia e pincelando meu futuro de acordo com as exegeses do que ainda não li, vulto sacro que se decalca com a imponência de um destino inexorável barra-me o pensamento racional por mim tão enlevado. Tudo não passa, ao fim, de artimanhas da besta covarde em tornar-me uma marionete de seus caprichos, usando-me como lodo que ingere para satisfazer seu insaciável corpo em regeneração. Ao degolar-me, ante minha súplica por findar o martírio, a via crúcis encerrar-se-ia com meu corpo sendo incorporado ao ser ignóbil, como uma célula desprovida de auto-estima, apenas executando suas funções primordiais apaticamente, ausente de si.

Traçado estava o mesmo caminho de outrora, mesmo previsões de um futuro abjeto passaram-me pela mente... Quando interpelado fui por uma turba de inefáveis experiências, todas concentradas em momentos que, amalgamados, foram capaz de suplantar mais de um ano corrente de tribulações e perfídias. A vibração que elevou-me ao nirvana de mim mesmo alicerçou o tardio achincalho desta besta patética e, em realidade, pobre em seus sortilégios. A cada novo segundo no qual eu respirava profundamente, fui impelido a digerir a realidade deste Houdini encarcerado em seus próprios antagonismos e aviltar toda a constelação de imbricações traumáticas que o assombra. E quando, finalmente, pude rever esse vampiro, tudo o que pude enxergar foi um vácuo em seus olhos, como se a verdade que eles detêm fosse tão tripudiada diariamente que perdeu-se, imiscuída em verdugos emocionais.

Salvo que fui, aportei em mansa baía e dormi, acariciado por um vento lento e frio, os olhos sem o poder de se controlar, forçaram-se a fechar para poupar-me de qualquer evento. Mas nada sucedeu-se. Dormi em seus braços... Ainda não despertei.  
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Parece meio óbvio, mas eu escrevi esse texto como uma continuação de um texto que escrevi em Maio do ano passado chamado "Covardia". Eu até achei que houvesse escrito isso um pouco depois de maio, mas enfim, só reforça o que eu já deveria saber desde há muitos meses atrás. Mas foi bom, foi ótimo eu ter enfiado a minha cara em chorume mais uma vez, porque deste ato repugnante e humilhante surgiram oportunidades profundíssimas de reflexão. Eu refleti muito. Ah, acho que isso merece até outra postagem.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Uma Folha

Há que se respeitar o que não se conhece, por medo ou cautela, o que não se compreende e o que se move de maneira familiarmente estranha, como um tímido mover-se nas profundezas da inconsciência, um mover-se do qual sabe-se a existência, é reconhecido, porém não se pode precisar, explicar, desenhar ou expressar. Ele se basta, essa coisa alguma que é tudo. E apenas por sinalizar sua existência, projeta profusões de sensações tão confusas à mente humana, mas tão cheias de vida que escapam à delimitações, às noções maniqueístas, à teoremas tão logicamente construídos.

Sou fascinado pelo que não se sustenta sobre dóricas colunas, preferindo os intangíveis caminhos, ausentes do que lhes guie que não o sentimento atemporal e auto-suficiente. Quando pude, finalmente, ainda que brevemente, descansar desta peregrinação infinda, refestelei-me sobre minha calma e eternidade condensada... Acordando de um salto, pus-me a par de mim mais uma vez, de volta que estava de uma viagem longa, da duração de vidas celestes - a convenção a qual chamamos "tempo" expressa-se por nossos parâmetros reduzidos, que, uma vez desabrochados, são relativizados e contestados ante a fatos que são gerados pelas coincidências do acaso. O ser humano sempre a ser posto em contradição pela magnitude do mero fato de existir, banalizado. - E de volta que estava, olhando para trás, vi dias e mais dias, semanas, anos... Não sei mais, a sensação reside em mim, jamais esquecida, sem necessidade de ser esmiuçada, para mim, sem sentido para mais quem olhe, a não ser que fossem eu. E o amor pela sustentação sólida e robusta ganha seu prestígio com o cronológico pulsar do relógio concreto e tangível para ser apreendido pela consciência física, que jamais se entende totalmente com o indizível.

É canônica a consequência de uma experimentação inclassificável, porém tal algoz cria-se pela ansiedade de pormos tudo em seu lugar, mas, uma vez que comparemos instantes com a eternidade, pode-se crer clara a ausência de distâncias e o alcance do que socialmente nos foi ensinado que se deve abafar, que a vida deva seguir uma ordem cronologicamente e milimetricamente pré-definida. Nada poderia escapar ao determinado e seria nosso próprio erro e, por conseguinte, dever restaurar a ordem, o equilíbrio, o inteligível. Eu sempre traio a norma, empiricamente atesto a falsidade dos constituintes desta base piramidal que se chama ordem "natural" das coisas... Em todo o meu corpo, espalham-se células nucleadas pulsantes de algo mais do que organelas, algo que as alimenta de ímpeto de viver, de vomitar os vermes tóxicos que me são empurrados diariamente quando sou obrigado a justificar-me o tempo inteiro e proteger-me o tempo inteiro. Justificar meus sentimentos e impulsos... Proteger-me do que possa me magoar e machucar...

Mas a dor tem sido algo além de carrasco, e, caso ela seja presente, eu ainda não estou pronto. E sempre que ela se fizer, ela me avisa que não estou pronto, que ainda não é a hora, que estou no caminho, que estou aprendendo, que estou sendo eu mesmo, porque sou feito de dor, de amor, de paixão por estar de pé, de depressão crônica e frustração, de resiliência... pelas frestas de uma promessa feita a mim, eu entendi o propósito, ainda que não desdobrado, porém contido. Ele me diz algo, como um feixe de luz a ser decifrado... O processo de sentir-se vivo apesar de tudo.